*Adriano Marrocos, Contador da Fenavist – CRCDF 8.867
Sempre que abordamos o tema “distribuição de lucros e perdas”, precisamos olhar sob a ótica societária e tributária. Então, vejamos.
Quando a questão societária é suscitada, é preciso recorrer ao Código Civil Brasileiro em, pelo menos, quatro questões relevantes. A primeira é que o contrato social deve estipular a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas, haja vista que a ausência da indicação leva à distribuição proporcional às quotas, excetuando-se a condição daquele sócio que participa com serviço, que perceberá a média do valor das quotas. Outro ponto relevante trata da distribuição de lucros desproporcionalmente às quotas, que prescinde de deliberação em reunião ou assembleia especialmente convocada, devidamente arquivada na junta comercial e da concordância integral dos sócios. Esses dois pontos são relevantes, pois é necessário compreender que a distribuição de lucros representa uma remuneração referente ao investimento na empresa e, principalmente, no risco assumido, considerando que também há possibilidade de divisão de perdas. Um terceiro ponto igualmente importante é lembrar da continuidade do negócio e que parte desse resultado, além da distribuição aos funcionários via Participação dos Lucros e Resultados (Lei nº 10.101/2003), deve considerar a constituição de reservas para reinvestimento e outras ações que permitam planejar e ampliar os negócios e, até mesmo, modernizar ou ingressar em novos mercados. Um quarto aspecto relevante é que o contrato social pode definir a obrigatoriedade de apuração em período menor que um ano (mensal, trimestral ou semestral).
A distribuição de lucros era tributada (Decreto-Lei nº 2.397/1987) e assim ficou até 1995, com a edição da Lei nº 9.249, que definiu:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. No mesmo contexto, o legislador definiu na LC 123/2006, que trata das empresas optantes do SIMPLES Nacional, que essas teriam o mesmo tratamento, como se verifica:
Art. 14. Consideram-se isentos do imposto de renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, …
Desde então, no Brasil, a distribuição de lucros esteve no foco da discussão quando o tema é a reforma tributária. Ao longo desse período e de diversas discussões sobre o tema, fomos vistos como beneficiários de uma isenção fiscal, ainda que a base de sua apuração seja o lucro líquido após a apuração do IRPJ e da CSLL, fato desconhecido por muitos. Diversas vezes até pareceu que cometíamos “meio crime” – se é possível. E tanto é verdade que não demorou para a Receita Federal ajustar a isenção quando, em 1997, emitiu a IN/SRF 93 que definiu que será isenta apenas a parcela dos lucros ou dividendos que não exceder à base de cálculo do imposto, a não ser que comprove, com base no registro contábil, um lucro menor. Ou seja, se não houver uma mensuração contábil, será considerada remuneração tributável, diferentemente daquele que apura em sua escrituração contábil o lucro efetivo do negócio. E ainda há a regularidade fiscal, cujo preceito está em vigor desde 1964, com a Lei nº 4.357, que determinou que:
Art. 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, …, não poderão: a) distribuir … quaisquer bonificações a seus acionistas; b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos.
Em 2021 o assunto tornou a ter destaque nas propostas de reforma tributária e com um ponto em comum, que é a necessidade de tributar lucros e dividendos como forma de compensar outros benefícios que seriam concedidos. O Projeto de Lei nº 2.337/2021 trata dessa questão em seu artigo 2º, e com data definida já a partir de 1º de janeiro de 2022, com alíquota de 15% e com a retenção na fonte, como se verifica:
Art. 2º A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 10-A. A partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma, inclusive a pessoas físicas ou jurídicas isentas, excetuadas exclusivamente as hipóteses de que tratam o art. 14 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, os §§ 4º e 5º deste artigo e o art. 10-B desta Lei, ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento) na forma prevista neste artigo. Enfim, mais um capítulo na história da Distribuição de Lucros no Brasil.
Assim, além de observar as questões societárias, é importante se preocupar com as questões tributárias, especialmente nesse momento em que o PL 2.337/2021 se encontra em discussão no Senado Federal. Enfim, é necessário conversar com seu contador e acompanhar os rumos que o assunto tomará, até porque pode ficar diferente em 2022.
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