Passivos trabalhistas, (in)segurança jurídica e a sinalização do STF*

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*Juliano Costa Couto, advogado, Mestre em Direito Constitucional, ex-Presidente da OAB/DF no triênio 2016/2016, Consultor Jurídico da Fenavist

*Gustavo Costa Couto, advogado, pós-graduado em Direito Constitucional, ambos membros do escritório Costa Couto Advogados Associados

O dilema da responsabilidade solidária de empresas de um mesmo “grupo econômico” por débitos trabalhistas sempre afligiu o empresariado. A justiça do trabalho, propensa à defesa dos reclamantes e também com o intuito de ‘pôr fim ao processo’, nem sempre toma os devidos e indispensáveis cuidados na hora de responsabilizar outra empresa, que não a empregadora, com a qual esta tenha algum tipo de ‘relação’.

A questão dos “grupos econômicos” encontra regramento na CLT, no Código Civil e também no Código de Processo Civil, como será adiante demonstrado. Nessa linha, qualquer decisão do Poder Judiciário na linha de  responsabilizar empresas que componham um mesmo “grupo econômico” deve ter claro e explícito amparo legal, não havendo mais espaço para arbitrariedades jurídicas.

O assunto é importante e, inevitavelmente, vez ou outra assola a vida do empresário, seja por ser o mesmo sócio de diferentes empresas, seja por ter sócios em comum em empresas ou, ainda, quando a sua pessoa jurídica se encontra realizando constantes relações comerciais com outras, usando da mesma estrutura ou material humano.

A obscura sensação ‘surpresa’ de ver o patrimônio de sua empresa atingido por conta de processo judicial movido contra outra é inadmissível. É o sentimento de injustiça por responder por um fato ao qual não deu causa e sem nem mesmo ter tido a chance de se defender por meio de processo legal.

Nesse cenário, a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), cuja plena validade está em debate no STF, representou um importante marco na construção de uma segurança jurídica maior aos empresários. Dentre as mudanças trazidas, destacam-se os requisitos necessários para a co-responsabilização incluídos pelo novo § 3º do art. 2º da CLT (efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes do grupo econômico)[1]. Na parte processual, tivemos a expressa inclusão da necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo trabalho por força do novo art. 855-A e §§ da CLT[2], permitindo que a empresa – minimamente – se defenda.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica formaliza a instauração de um procedimento próprio, com seu devido processo legal, assegurando que a empresa ‘chamada’ se manifeste e produza suas provas dentro dos autos, antes que haja qualquer forma de atingimento de seu patrimônio.

A inclusão desse incidente no processo do trabalho é uma forma de garantia de respeito mínimo à previsão contida no art. 513, § 5º, do CPC/15, o qual prevê que o “cumprimento de sentença não poderá ser promovido em face (…) do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”.

Melhor explicando, o dispositivo prevê que a execução só poderá atingir o coobrigado ou o corresponsável quando houver sido dado a ele a oportunidade de exercer seus direitos fundamentais de ampla defesa e contraditório, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, ou seja, a chance de se defender no processo, expondo as razões pelas quais não deve responder por determinado débito.

Em essência, o art. 513, § 5º, do CPC/15, possui contornos até mesmo mais profundos que aquele previsto pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica; enquanto este último pode ser instaurado somente na fase de execução, o dispositivo do CPC elenca expressamente a participação na “fase de conhecimento”, no processo inicial.

Uma leitura direta do dispositivo leva a crer que o autor da ação judicial deveria inserir as empresas que compõem o grupo econômico já em sua petição inicial, para que elas participassem, então, de todas as fases do processo, exercendo de forma absoluta o seu direito à ampla defesa, e, somente então, pudessem ser responsabilizadas por determinado débito.

A garantia da ampla defesa e do contraditório às empresas que compõem o grupo econômico da devedora principal é a essência por trás da decisão tomada pelo ministro Gilmar Mendes no processo de ARE nº 1.160.361/SP, no STF. O caso concreto trata de reclamação trabalhista movida por um aeronauta contra a antiga VARIG, e a decisão favoreceu uma de suas coligadas, afastando sua responsabilidade enquanto não lhe for garantida a defesa processual. Apesar de valer apenas para o caso concreto, o argumento do ministro Gilmar Mendes pode ser usado como forte precedente para evitar responsabilizações empresariais indevidas.

No caso, a empresa foi inserida nos autos do processo somente na fase de execução, sob fundamento da existência de grupo econômico, e alegou ofensa à ampla defesa e ao contraditório por não ter feito parte do processo durante a fase de conhecimento (formação do título judicial).

A empresa recorrente vinha deixando de obter sucesso desde a primeira instância, tendo sido negado provimento ao seu recurso também pelo Tribunal Superior do Trabalho, sob a alegação de que o pleito não se sustenta desde que revogada a Súmula nº 205 do TST, que previa a impossibilidade de a empresa integrante de grupo econômico, que não figurava como reclamada nos autos do processo e que não constava no título judicial, responder solidariamente pelo débito trabalhista.

Acontece que a previsão da súmula revogada veio novamente a ter vigência em território nacional com o advento do art. 513, § 5º, do CPC/15, mencionado acima. Essa foi o decisão adotada pelo ministro Gilmar Mendes, por entender que o TST efetivamente negou vigência ao dispositivo como se inconstitucional fosse, o que é vedado pelo art. 97 da Constituição Federal e pela Súmula Vinculante 10 do STF, que diz que não se pode afastar a vigência de uma norma, como se ela fosse inconstitucional, sem antes submeter a questão ao plenário do Tribunal.

O ministro expõe, ainda, que a decisão anterior, do TST, merece ser revista, registrando que o art. 513, § 5º, do CPC, exige que a empresa integrante do grupo econômico participe da fase de conhecimento do processo, e não só da fase de execução.

A decisão do ministro não é vinculante, mas dá novos ares de esperança de uma segurança jurídica maior, no futuro, aos empresários cujas PJ’s componham ou mesmo que aparentem compor grupos econômicos, de modo que existem chances concretas de que a jurisprudência trabalhista, em médio prazo, passe a adotar o entendimento exposto no art. 513, § 5º, do CPC/15, para evitar a responsabilização solidária sem que o corresponsável tenha participado da fase de conhecimento do processo trabalhista.

[1] Art. 2º § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

[2] Art. 855-A.  Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

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