A segurança privada no Brasil tem sido marcada pela terceirização, com empresas pertencentes a agentes de segurança pública e serviços executados por profissionais expostos a longas jornadas com risco de vida, baixa remuneração e falta de treinamento. O resultado tem sido a reprodução da visão policial da segurança pública de combate à violência com efeitos que acentuam o racismo estrutural e institucional, preconceito em relação aos segmentos mais vulneráveis da sociedade e falta de tolerância à diversidade.
Esse panorama foi apresentado na abertura da audiência pública sobre segurança privada realizada na sexta-feira (30/7) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que reuniu diversas entidades e representantes da sociedade. O debate é fruto de ação do grupo de trabalho sobre esses serviços instituído pelo CNJ por meio da Portaria n. 81/2021, com objetivo de incentivar o respeito aos direitos dos cidadãos independentemente de raça, gênero ou condição social.
O coordenador do GT, conselheiro Mário Guerreiro, informou que a audiência pública foi estruturada a partir de uma demanda do Observatório de Direitos Humanos do CNJ e destacou que o Conselho, como órgão de controle do Judiciário, não possui ingerência sobre a segurança privada, uma atividade regulada pela Polícia Federal. “Mas acreditamos que aqui é um fórum importante de discussão e pensamento sobre os rumos que podem ser tomados para melhores práticas e para aquilo que o CNJ e o parceiro Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) percebem como caminhos para qualificar e humanizar essa questão da segurança privada”, disse. Essa visão também foi reforçada pela conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, que avaliou ser essa uma discussão relevante para todos.
Algumas das características particulares da segurança privada foi apresentada pelo conselheiro do CNMP Sebastiao Caixeta, informando que essa atividade reúne cerca de 545 mil pessoas com vínculo trabalhista, e por milhares de outras pessoas sem formalização empregatícia, totalizando aproximadamente 1 milhão de profissionais em todo o país. Em termos gerais, a atividade é marcada por longas jornadas de trabalho, baixa remuneração, falta de regulamentação e riscos diversos, incluindo. Em meio a isso, predomina a falta de qualificação.
“Além dos conteúdos tradicionais do dia a dia dessa atividade, é importante a formação continuada e transversal com foco, mais que nunca, em direitos humanos fundamentais, com destaque para a compreensão do racismo estrutural e institucional e seus reflexos na sociedade brasileira, calcado nos estereótipos na chamada ideologia e cultura do inimigo rigorosamente aplicada à população preta, pobre e periférica”, pontuou o representante do CNMP.
Caixeta citou como exemplos a morte recente de um homem negro em um supermercado de Porto Alegre, vítima de violência praticada por seguranças privados do estabelecimento; o caso do tio e sobrinho mortos, acusados de roubo carne em um supermercado em Salvador e que foram entregues pelos seguranças a traficantes; e, também, o caso do jovem negro vítima de violência e racismo por parte de agentes de segurança privada após ter comprado um relógio para o pai em um shopping no Rio de Janeiro.
No contexto de acirramento da violência, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Luiz Antonio Colussi, lembrou que a defesa dos direitos humanos é um dos eixos da atual gestão do CNJ.“É importante que toda a sociedade esteja imbuída desse esforço, mas nisso o Poder Judiciário é uma parte importante em todos os seus ramos e temos que ter a certeza e a convicção de que a igualdade e dignidade devem ser dadas a todos os brasileiros.”
Para enfrentar a situação, Colussi fez várias sugestões, entre as quais a desmilitarização no treinamento dos agentes de segurança privada; a capacitação desses profissionais a partir de conteúdos sobre a história da escravidão e o racismo endêmico no país; a capacitação a partir de linguagem não violenta; e a formação de equipes com diversidade étnica e cultura.
A relação complexa entre segurança pública versus segurança privada e a importância da fiscalização das empresas prestadoras de serviço foram o foco da abordagem da presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Rivana Barreto. Ela chamou a atenção para a relevância da regulação nesse segmento, para a importância da formação dos agentes de segurança privada e ainda para que haja maior conhecimento sobre quem são os responsáveis por essa prestação de serviço.
“Muitas dessas empresas são de propriedade de agentes públicos que não poderiam estar realizando a atividade de segurança privada. E o fato de serem agentes públicos, com formação voltada ao combate da violência imprime essa lógica de combate da polícia para o agente de segurança, que não deveria estar relacionada com atividade exercida pela segurança privada. É importante analisar isso, quem está por trás da empresa, e olhar também para quem está na ponta, o agente que exerce a segurança privada.”
Participaram da abertura da audiência pública o diretor de Comunicação Social da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Júlio José Araújo Júnior, e o vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) pela 4ª Região, Marcelo Roberto de Oliveira.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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